quarta-feira, 7 de novembro de 2007



Após o visionamento do filme "Final Cut- A última memória", parece-nos interessante e necessário reflectir sobre o impacto/importância das novas tecnologias.


Este filme retrata a invenção de um dispositivo que é incorporado no cérebro humano – implante Zoe –, que permite guardar as memórias e as vivências que o Homem experiencia ao longo de toda a sua vida. Com este dispositivo, é proposta uma espécie de imortalidade da vida do ser humano, já que quando este morre, todas as suas vivências e recordações permanecem entre os vivos. Os editores são os responsáveis pela construção e selecção do conjunto de memórias que vai ser guardado pela sociedade. A estes editores é dado o poder de criar e esconder imagens irreais sobre o defunto, podendo fazer destes verdadeiros heróis e/ou "santos", quando na verdade eram vilões corruptos. Existe no filme um movimento contra este implante, que defende que, através deste, a verdade é manipulada e distorcida. Há, assim, uma invasão de privacidade, dado que a vida já não é só das próprias pessoas. Não são somente os seus actos e os seus feitos que constroem a imagem que a sociedade terá delas, mas sim os editores que, de acordo com o desejo da família, escolhem e decidem a "re-memória".

As tecnologias individuais têm uma influência enorme na sociedade, já que estas definem o modo como o indivíduo se comporta e age perante o seu grupo social. Se pensarmos no próprio telemóvel, percebemos o impacto que este teve a nível social, no modo como revolucionou as relações e a forma de comunicar com o outro. Já dizia McLuhan que "as sociedades se definem pelo modo como comunicam" e, actualmente, esta comunicação é feita, maioritariamente, através destas tecnologias. As tecnologias individuais também servem para facilitar o quotidiano, quebrando barreiras e obstáculos. Devido ao progresso tecnológico, houve uma “aproximação” universal, na medida em que podemos comunicar com pessoas que estão no outro lado do mundo em tempo real, mas também um afastamento físico das pessoas. Desta forma, criam e influenciam modos de vida. Tal como pudemos observar no filme, o "implante zoe" (uma tecnologia individual), teve um impacto imenso na vida social, já que o facto das vivências e recordações das pessoas serem vistas por um editor influenciou por completo as suas acções.
Actualmente, as sociedades deixaram de ser vistas como uma unidade, há cada vez menos o sentimento de camaradagem, de proximidade com o vizinho. Há uma exaltação do individual, um certo egocentrismo. Este revela-se também na importância e na exploração das tecnologias individuais. No fundo, elas dominam o quotidiano de toda uma sociedade, definindo as atitudes dos indivíduos que regem, por conseguinte, o comportamento e o progresso de toda a comunidade.

Ao longo dos tempos, em consonância com a evolução humana, temos vindo a assistir a uma mudança de vários conceitos, entre os quais a memória e a privacidade. A evolução destes torna-os elásticos e sociais.
Actualmente, as nossas memórias não são exclusivamente nossas. A grande maioria das nossas recordações provém daquilo que os media nos mostram, criando assim um conceito completamente diferente daquele de há uns anos atrás. Entre nós e a memória há um mediador – os media –, que faz com que esta “memorização” seja indirecta. Há uma certa manipulação e construção das nossas memórias por parte dos media. Somos capazes de criar opiniões e julgamentos de assuntos com os quais nunca tivemos contacto directo; bem como conseguimos criar imagens e experienciar de alguma forma o que nunca vivemos. Anteriormente, as nossas memórias eram bastante limitadas, uma vez que se cingiam unicamente ao nosso “universo”, somente à nossa experiência pessoal e à dos que nos rodeavam. Era um conceito mais directo, de alguma forma, mais verdadeiro, embora menos vasto. O filme serve para comprovar a evolução deste conceito, já que o editor faz uma pré-selecção das memórias e experiências da vida do defunto, de acordo com o que era moralmente correcto e com o que a família e amigos queriam que fosse recordado. Assim, o editor era a única pessoa que ficava realmente a conhecer os defuntos, porque tinha acesso ilimitado às suas vidas, através do implante Zoe. Só nos resta esperar para saber se, no futuro, as nossas memórias e vivências poderão ser imortalizadas ou não através do progresso tecnológico.
Tal como o conceito de memória, também a questão ética da privacidade sofreu bastantes alterações. Outrora, a privacidade era fulcral, sendo dos valores mais respeitados e seguidos pelos homens. Sempre esteve bastante ligada ao conceito de liberdade, surgindo então o tal chavão “a liberdade de um homem começa quando a de outro acaba”. No entanto, hoje em dia a privacidade está mais ligada à segurança do que à liberdade. Há uma cedência da privacidade das pessoas, em prol da segurança geral. Exemplo disto é a enorme quantidade de câmaras de vigilância que captam todos os nossos movimentos, para que possam identificar movimentos estranhos e, que por sua vez, possam ser ameaçadores ou pôr em causa esta mesma segurança. A liberdade e singularidade do individuo nunca deve ser posta em causa.
O filme é bastante controverso e polémico, na medida em que não vê a privacidade das pessoas como um direito e está constantemente a ameaçá-la. O editor manipula as imagens que reflectem a vida de uma pessoa, de uma forma fria e profissional, como se de meras fotografias se tratassem. Há uma violação constante da privacidade e do direito ao segredo pessoal. Havendo a possibilidade de ter um implante zoe, as pessoas não vivem a sua vida de uma forma espontânea e livre, condicionando o seu comportamento, em função do que diz a razão e em detrimento da emoção. A vida do ser humano acaba, assim, por ser gerida por outrem, transformando-se numa “montagem” da realidade. Com esta tecnologia, parece que a nossa vida é um simples jogo, havendo uma enorme possibilidade do ser humano se tornar num actor, abdicando da sua pureza, inocência e veracidade.

Anteriormente, existia alguma perplexidade por parte das sociedades na adopção e aceitação imediata das novas tecnologias. A principal razão da rejeição inicial era a falta de conhecimento e de informação, o medo que existia em relação ao desconhecido. As sociedades conservadoras e tradicionais sentiam-se reticentes e ameaçadas pelos avanços tecnológicos. A sociedade tem-se vindo a adaptar e a reger pelo progresso de uma forma tão inegável que nos dias que correm, somos alvos do constante desenvolvimento tecnológico. As novas tecnologias já fazem parte do nosso dia-a-dia, influenciando o modo de vida das sociedades contemporâneas. Há uma habituação tal, que se criou uma relação de dependência face ao digital, nomeadamente face ao telemóvel.
Embora possamos adoptar e rejeitar determinadas tecnologias, é sempre a sociedade que tem a última palavra, não sendo apenas uma pessoa a formular este juízo.
Tal como já estudámos, “as tecnologias não são boas nem são más, mas também não são neutras”, ou seja, dependem do uso e das intenções de quem as utiliza. As novas tecnologias podem também ser um factor determinante na inclusão ou exclusão social, já que, cada vez mais, os aparelhos tecnológicos deixam de ser um adorno, para ser fundamentais. Há uma supremacia clara do material em relação ao moral. Para pertencer e ser bem aceite num determinado grupo social, é necessário satisfazer certos requisitos, na maioria das vezes tecnológicos. Exemplificando, se um jovem não tiver telemóvel ou se tiver um dos mais antigos e baratos, corre o sério risco de ser excluído/marginalizado socialmente. Este caso remete-nos para a possibilidade da tecnologia ser eticamente reprovável, já que promove desigualdades sociais: os ricos assumem cada vez mais importância e os pobres são cada vez mais postos de parte.
Esta questão da adopção vs rejeição e inclusão vs exclusão social é retratada ao longo do filme, nomeadamente quando o editor (Robin Williams) não acredita que os pais pudessem pagar o implante Zoe, uma vez que julgava que só os ricos teriam acesso a esta nova tecnologia devido ao seu elevado custo.

Em suma, a adopção ou rejeição de algumas tecnologias depende da sua utilidade e preço. Os conceitos de inclusão ou exclusão e de adopção ou rejeição estão interligados, porque se uma sociedade não adoptar determinada tecnologia, não as poderemos incluir no nosso quotidiano.

Sem comentários: